Foto de Faruk Tokluoğlu em Unsplash
Num belo dia de verdades difíceis de engolir, cá estava eu no meio da terapia falando sobre a necessidade de contar e recontar um acontecimento para mim mesma, buscando analisar o que foi dito (e o não dito), quais as intenções e consequências.
Geralmente, quando o acontecimento marcou a tal ponto de não deixá-lo no seu lugar - o passado - me esforço para encontrar justificativas. Fazer aquilo ter algum sentido. Então passam-se dias (e até anos) e o assunto ainda tá ali esquentando. Por que né? Vai que eu ainda não olhei nesse cantinho…
Acontece minha gente que o que eu ouvi do outro lado me fez arregalar os olhos.
Ela disse: As coisas dão errado. Você está querendo que pareça bonito.
Eu tô?
Ainda penso que devemos avaliar nossas ações, ser mais conscientes de como agimos e principalmente porque agimos, mas querer encontrar justificativas para tudo o que acontece na nossa vida, inclusive para as ações das outras pessoas, é humanamente impossível e extremamente desgastante.
Até porque vai ser sempre a sua perspectiva, a sua experiência e você não tem como conhecer todos os ângulos. Quantas vezes você já se viu contando uma história vivida com outra pessoa e ela diz: “eu não lembro disso”, “não foi isso que eu disse”, “pra mim foi totalmente diferente”!
E ainda, quantas vezes uma mesma história recebe interpretações diferentes pra você com o passar do tempo? Pode começar como uma grande tragédia e depois algo engraçado de contar e até mesmo agradecer por ter passado por aquilo.
Então, se ficar procurando um sentido pode nos levar a um imenso labirinto, o que fazer?
Uma luz veio enquanto lia a biografia da Viola Davis - Em busca de mim. Ela ouviu este conselho de um amigo:
É inútil procurar um sentido. Em vez disso, pergunte-se: O que aprendi com isso?
Ela diz que aprendeu que é impossível passar pela vida sem cicatrizes. É como estar num ringue de boxe emocional no qual você passa por muitos rounds, principalmente se o oponente é você mesmo.
(que pérola de metáfora!)
Ou seja, a vida é uma luta quer você queira quer não. Ocorre que a luta pode durar muito mais tempo e com muitos danos caso você insista em golpear a si próprio. A gente já tem muito obstáculo pra ultrapassar, não precisamos ser mais um deles.
Então procurar um sentido é uma forma de prolongar a luta, ao invés de entender que lutadora sou daqui pra frente. Que golpes novos eu sei e quais aprendi que não devo repetir.
Mas voltando à questão do parecer bonito. Fiquei bastante tempo pensando nisso.
No mesmo livro, Viola diz que muitas vezes histórias são mentiras que inventamos porque queríamos que o passado fosse diferente. Às vezes uma história é como você viu acontecer e como aquilo ficou gravado em você. Mas outras vezes (e talvez a maioria, eu diria) ela é o que é. Um fato.
Caso você tenha errado ou outra pessoa errado com você, o caminho mais confortável é achar uma justificativa bem plausível e com a cara simpática pra poder dormir tranquila.
Acontece que em busca de um lugar seguro, à prova de sofrimento e coisas sem sentido, colocamos o erro pra debaixo de um lindo tapete.
E bem… você pode ter simplesmente falhado. Porque era ignorante, porque não teve atenção, porque não deu importância, porque não quis, porque era o que você podia fazer com a informação que tinha, porque foi mesquinho ou egoísta, ou porque você não é tão brilhante assim (eu adoro esse vídeo).
Uma vez ouvi que a grande maioria das pessoas é medíocre, no sentido de mediano. Ou seja, raras são as pessoas excepcionais, fora da curva, mas elas acabam sendo o nosso modelo, é a partir delas que tendemos a medir nossa experiência.
Fica mais fácil quando a gente reconhece que a história nem sempre é coerente e linear, que tem personagem com quem simplesmente não conseguimos lidar e que nem todos os finais são felizes.
Fica mais fácil quando você se autoriza a errar, a não saber o que está fazendo, a confiar que tem coisas que são maiores do que você e a entender que você não tem o controle de todas as narrativas nem dos resultados.
Errar bonito é não aceitar a vida imperfeita. Errar bonito é sorrir amarelo quando se quer chorar. Errar bonito é querer mudar o passado.
Erre feio.