A gente não se dá um segundo de paz.
Nossa vida moderna é repleta de tudo ao mesmo tempo agora e eu simplesmente não consigo nem pensar com tanto barulho.
Imagem retirada do Documentário Ashes and Snow, de Gregory Colbert
Lá no início da popularização das redes sociais li uma matéria sobre japoneses fazendo detox digital em clínicas. Pensei: esse povo é doido. Como assim a pessoa precisa se internar pra parar de mexer no celular?!
Corta pros dias atuais, eu fazendo detox do instagram periodicamente.
De crítica à adepta, fiquei fascinada quando me deparei com um retiro de silêncio, em Bali. Não é vipassana, não é um ashram apoiado por religiosos; nenhum guru, nenhum dogma. É simplesmente um retiro em que não são permitidos eletrônicos (inclusive não tem wi-fi no local nem tomadas nos quartos) e a ideia é fazer NADA, em meio a campos de arroz, com alimentação vegana e vegetariana em uma terra sagrada. Apenas descansar, dormir, comer e repetir.
"Apoiamos a jornada espiritual pessoal de cada pessoa no Bali Silent Retreat. O silêncio permite a solidão e a contemplação repousante dentro de um ambiente social.”
Adorei essa parte: ninguém vai se aproximar de você para pedir nada, nenhum funcionário do restaurante para pedir seu pedido, nenhum pessoal de limpeza, a menos que você solicite, e ninguém perguntando o que você quer fazer hoje.
Isso parece simplesmente INCRÍVEL QUERO AGORA. Você não tem que nada.
Quantas vezes você é bombardeado: tem reserva? aceita um vinho? vai pagar no crédito ou no débito? é de aproximar? tem cadastro? já nos avaliou no google? aceita mais alguma coisa? está esperando mais alguém? tem ticket estacionamento? quer que embrulhe pra presente?
Nossa vida moderna é repleta de tudo ao mesmo tempo agora e eu simplesmente não consigo nem pensar com tanto barulho.
Você já reparou que tendemos a preencher os espaços vazios? Desde uma prateleira vazia ou o tempo em que você espera sua comida chegar à mesa.
Veja se não é comum: música pra estudar, aula no youtube enquanto cozinha, um podcast a caminho do trabalho, TV ligada só pra ter um barulhinho de fundo, pegar o celular toda vez que se vê sozinho sem nada pra fazer.
A gente não se dá um segundo de paz.
Preenchemos nossa vida com trabalho, compromissos ou horas de tela. Atalhos que nos tiram da nossa própria realidade. É um exercício tamanho quebrar esse ciclo.
Estudos indicam que pessoas tidas como “multitarefas” na verdade são pouco produtivas. No livro Ikigai - Os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz, um dos segredos é viver no “flow”: mente concentrada, vivendo no presente, fazendo algo prazeroso (que passa voando) sob seu controle e bem preparado, sem distrações, preocupações e obstáculos no fluxo do pensamento.
Para isso é preciso concentrar-se e ele dá dicas de como melhorar sua atenção:
° Não olhar para nenhuma tela durante a primeira e última hora do dia.
° Desligar o celular antes de entrar em “flow”, uma atividade importante pra você.
° Um dia por semana, fazer jejum de eletrônicos, abrindo exceção para e-books e música.
° Ir a um café sem wi-fi.
° Ler e responder e-mails apenas num período pré-determinado por você no dia.
° Colocar um cronômetro para focar em uma atividade.
° Iniciar sua missão do dia com um ritual que lhe agrade e um encerramento que lhe recompense.
° Treinar sua consciência para voltar ao presente sempre que perceber que se distraiu.
° Trabalhar em um local sem interrupções.
° Dividir sua atividade em grupos de tarefas menores e dedicar um tempo específico para cada ° bloco.
° Reunir tarefas cotidianas que possa terminar até certa hora do dia. Ex.: ir ao banco, fazer uma ligação, fazer compras.
Então, devemos aumentar o tempo que passamos realizando atividades em estado de fluir, ao invés de mudar de uma tarefa pra outra depressa, chamando isso de multitarefa.
“Num mundo tão barulhento um pouco de silêncio pode ser a solução”. @yogalaya
A gente não desliga. Estamos disponíveis sempre, tendo que dar retorno em tempo recorde; não temos tempo a perder, então precisamos consumir o maior número de informações possível (aka não tenho tempo para vídeos de mais do que 1 min e áudios do whatsapp na velocidade 1x); sentimos a necessidade de estar no real e no virtual ao mesmo tempo, com medo de ficar de fora; e a lista segue…. Uma hora vai dar tilt galera.
Lembra que já tivemos uma vida (que funcionava) antes do celular?
Daí a importância de desconectar, silenciar e cair na real.
Abstinência de barulho
Você já tentou dormir no meio do mato? Eu já. Dá pra escutar o seu coração batendo.
O silêncio era tão alto que meu ouvido doía (o tal silêncio ensurdecedor). Não conseguia dormir, nem deixar de pular de um pensamento ao outro freneticamente. Estava em crise de abstinência. Abstinência de barulho.
Em compensação, ao dormir, tive um dos sonos mais pesados e restauradores da vida.
Você é o que absorve
O ayurveda, um sistema científico de medicina indiano, ensina que a gente não é o que a gente come, mas o que a gente absorve. E isso inclui aquilo que a gente ouve, vê, experiencia, e claro, come. É preciso se respeitar e não se tratar com violência.
Ao entender a importância e o impacto que o ambiente tem no nosso corpo e mente, comecei a observar as trocas que eu fazia.
Passei a me incomodar com música muito alta (seria também a idade?) e programas violentos. Fico nervosa com filmes de guerra ou com o noticiário da tarde, realitys de competição com muita briga então, nem se fala.
Em Autobiografia de um Iogue, Paramahamsa Yogananda fala que qualquer palavra proferida com clara compreensão e concentração profunda tem valor materializante, e que portanto, o explosivo poder da fala poderia ser dirigido para nos libertar das dificuldades. Diante de tamanho poder da fala e os efeitos das vibrações do som, creio que devemos ter muito cuidado com aquilo que alimenta nossos ouvidos e espaços.
Quanto mais silêncio, mais aguçados estarão seus sentidos e mais conhecimento do que faz bem ou não, você adquire. Desligue tudo e abra espaço pra pensar, pra estar consigo mesmo e pra não fazer nada.