Uma vez li que o ser humano moderno tem o ímpeto natural de preencher espaços vazios. Quanto mais cantos sobrando mais coisas encontramos para preenchê-los. Existe até uma fobia de espaços vazios: quenofobia.
Não só de espaços físicos podemos falar. Também costumamos preencher nosso tempo, nossa cabeça, nossos ouvidos, olhos, horas de lazer, horas de descanso com muitas informações.
Deixamos de nos sentir à vontade com o ócio, a pausa, a falta, o espaço vazio, o silêncio.
Sentimos desconforto na falta. Encaramos como escassez, e podemos nos sentir menos, em desvantagem, incompletos, infelizes.
Ela pode nos mover em busca de nossos desejos, mas muitas vezes confundimos “ter tudo” com prosperidade (o contrário da escassez). Prosperidade não é ter tudo, não é ter a geladeira cheia, o armário repleto de roupas, o emprego desejado por muitos, agenda lotada… Quem nunca comprou algo achando que era isso que faltava e não fez a menor cosquinha nesse sentimento? Quem nunca se inscreveu num curso nada a ver?
Prosperidade é ter o necessário para viver bem. E para cada um, viver bem significa algo diferente. A felicidade não tem receita pronta.
Ocorre que se você for acompanhar as mídias, elas estão o tempo todo dizendo pra você o que você precisa. Elas estão te dando uma receita pronta. Provocando necessidades onde não há, criando problemas para vender a solução, lançando tendências que logo se tornarão obsoletas, vendendo facilidades para coisas que não são difíceis.
A propaganda (velada ou não) para que sintamos falta de algo é tão forte e de todos os lados, que pode ser que realmente achemos que nossa vida é muito pior do que poderia ser.
O quanto você tem deixado que te digam o que você precisa?
Tem fases na minha vida que convivo com um imenso sentimento de falta. Mas uma falta que não consigo identificar a origem. É apenas um sentimento de vazio angustiante.
É claro que eu já caí e ainda caio na bobeira de tentar preencher esse vazio com coisas aleatórias que só me custam e não agregam. Após várias tentativas frustradas, fiquei chocada quando percebi que eu não sabia o que eu queria. Eu não me conhecia. Vivia tomando decisões das quais eu não gostava, com base no que outras pessoas pensavam, no que eu “achava” que era o certo ou porque sempre foi assim…
Isso me faz lembrar do diálogo de Alice e o Gato Cheshire. Ela pergunta qual caminho deve tomar e ele responde que depende para onde ela quer ir. Ela então diz que não sabe. E o gato, sabiamente: Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve. (Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)
Qualquer caminho, não é o seu caminho.
Existe uma grande pressão para que não saiamos do modus operandi moderno: trabalhe mais, adquira mais, busque o seu primeiro milhão e depois o próximo, tenha experiências de luxo, mostre aos outros aonde você chegou, viva uma vida sem defeitos e sem problemas, tenha exclusividade, chegue primeiro, seja visto. Caso não consiga, finja. Caso não queira, você ficará de fora.
Não é fácil tirar o peso que a opinião alheia tem sobre nós. Não é fácil priorizar suas vontades. Mas acredito que quanto mais tentamos preencher nossa vida com a receita de outra pessoa, mais essa falta se faz presente de um jeito nocivo.
Mas é claro…. como não iríamos sentir (nossa) falta se estamos cada vez mais nos distanciando de nós mesmos? E duvidando de que somos completos?
Compartilho esse belo exemplo sobre aproximar-se de si mesmo e sentir-se completo:
Mais sobre vazios e preenchimentos:
O vídeo abaixo foi o que me inspirou a escrever o texto de hoje. Em 8 min., jout jout lê um livro infantil, em preto e branco, sobre uma bola que tem uma parte faltante.
É uma mensagem profunda e simples de ser entendida:
Update 20/10/2023
Estava lendo este texto da Carla Soares mas foi na seção “sobremesa” que fui levada ao texto da Maíra Mello, que segundo Carla, teve uma escuta sensível a partir da obra do compositor Ryuichi Sakamoto sobre saber estar no silêncio e ouvir a musicalidade dos sons à nossa volta.
Bem, li o interessantíssimo texto e me deparei com o questionamento dela:
Nessa tentativa de escutar de uma forma mais atenta para estar mais no presente, me questiono se a minha intenção de ouvir música (podcasts e audiolivros também), ou até mesmo falar, é uma forma quase que desesperada de ocupar todos os espaços de silêncio com som.
Veja, a ânsia por preencher espaços também é algo que intriga a colega.
Mais à frente, Maíra apresenta o conceito da cultura japonesa chamado “Ma” que aplica a estética do “espaço negativo”, na arquitetura, mas não somente.
E foi aqui que resolvi fazer este update:
“A tradicional casa de chá japonesa é o epítome de “Ma” no projeto arquitetônico. O layout da casa de chá é "intencionalmente projetado para abranger o espaço vazio - energia cheia de possibilidades". O vazio do espaço permite uma maior valorização do próprio espaço e da vida e rituais que o habitam.” (tradução do google).
Mas é claaaaro! O espaço vazio é uma energia cheia de possibilidades. Como absorver algo novo se seu copo já está cheio?!
Talvez por isso que quando me sinto de cabeça cheia me dá uma vontade imensa de fazer a limpa nos armários.